CRO #069: EXISTE O ANTISSEMITISMO CRISTÃO?
@p. Jota Moura Rocha
Desde os tempos do
Novo Testamento, as relações judaico-cristã têm sido complexas, marcadas por
desentendimentos e até mesmo animosidades. Isso pode ser percebido na carta de
Paulo aos Romanos, especialmente no capítulo 11. Já em sua época, o apóstolo
observava a tendência dos cristãos gentios de se orgulharem contra os judeus,
os “ramos quebrados”. Lendo-o nos dias de hoje, também temos a impressão de que
ele parecia prever, que isso seria uma constante ao longo da história. O
antissemitismo é um movimento de ódio contra os judeus. A origem da palavra
antissemitismo vem de antissemita, originada dos descendentes de Sem, filho
mais velho de Noé, das famílias étnicas que povoaram o Oriente Médio nos tempos
bíblicos: fenícios, assírios, arameus e os hebreus. O antissemitismo é o
movimento organizado antijudaico, que se baseia tanto na perseguição religiosa,
como na perseguição econômica, racial ou política denominada hoje, como
antissionista. Acusados de serem “assassinos de Cristo”, os judeus foram perseguidos
durante séculos por aqueles que diziam seguir o Messias. Seja durante as
Cruzadas e a Inquisição, ou até mesmo no Holocausto nazista, muito sangue
judaico foi derramado por aqueles que afirmavam ser os novos herdeiros da
Aliança feita por Deus com Abraão. Senão, vejamos em súmula...
1. INÍCIO DO
ANTISEMITISMO
O primeiro movimento
antissemita ou antijudaico, teve início no Egito antigo, dezenas de séculos
antes da nossa era, onde os judeus escravizados construíram pirâmides, templos
e executaram serviços pesados para o Faraó. Conforme as Escrituras Sagradas,
Deus por intermédio de Moisés, libertou-os da escravidão e conduziu-os à Terra
Prometida, oferecendo-lhes as leis básicas (Decálogo) e a legislação religiosa,
que formaram as bases para todas as religiões monoteístas predominantes no
Mundo como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
Após 644 anos de
independência, que culminou com a grandeza e prosperidade no Reinado de David e
de seu filho Salomão, os hebreus foram subjugados em 586 a.C. pelos exércitos
babilônicos, tendo seu Templo destruído, cidades inteiras arrasadas e os seus
habitantes conduzidos cativos, para o país dos vencedores. Ali permaneceram até
os persas conquistarem a Babilônia (539 a.C.) e permitirem aos judeus voltar à
sua Pátria, onde permaneceram durante mais de seis séculos. No ano 70 da era
Cristã, Jerusalém foi arrasada pelos romanos, sendo seu Templo destruído pela
segunda vez e os judeus dispersos (diáspora) pelo mundo inteiro.
2. FANATISMO
RELIGIOSO NA IDADE MÉDIA
Os povos europeus
convertidos ao cristianismo, tanto germânicos como latinos e eslavos
levantaram-se contra os judeus em particular. As perseguições na Alemanha
remontam à Idade Média, sabendo-se que o período intenso de suas manifestações
se deu durante a passagem das Cruzadas por aquelas regiões. boa parte das
comunidades judias foram destruídas pelos cruzados impiedosamente. A partir
dessa época, seguiu-se a onda de antissemitismo na Europa. Em 1209 os judeus
foram expulsos da Inglaterra e em 1306 da França.
3. ANTISSEMITISMO
POLÍTICO-RELIGIOSO
Com o tempo, o
antissemitismo religioso por parte dos fanáticos e ignorantes, foi explorado
pelos políticos malsucedidos. Estes para
encobrir as frustações e dificuldades econômicas de seus países, tomaram os
judeus como bode expiatório. Inúmeros processos de difamação, baseados em mitos
medievais foram forjados, tanto no Oeste como no Leste Europeu. A história
demonstra que o antissemitismo é como uma epidemia. Pode aparecer quando menos
se espera, tendo consequências imprevisíveis como crises políticas e interesses
econômicos, fatores predominantes que influenciaram o antissemitismo.
4. ANTISSEMITISMO
RACIAL DO FÜHRER NAZISTA
Após a derrota alemã
na I Grande Guerra e a crise que se sucedeu, Hitler chegou ao poder com o lema:
“Os judeus são culpados de tudo”. Explodiu na Alemanha, o antissemitismo racial
com suas teorias. Foram decretadas leis especiais contra os judeus, como as
famosas leis de Nuremberg. Depois vieram as desapropriações, expulsões, pogroms
e internações. Hitler arrastou a Alemanha à 2a Grande Guerra e com ela vieram
as matanças sem precedentes, em toda a história da humanidade. Centenas de
milhares de judeus morreram pela fome, encerrados nos guetos. Milhões foram
assassinados com os mais sofisticados métodos científicos nas câmaras de gás,
nos campos de concentração de Auschwitz, Treblinka, Majdenek, Beizec e Chelmno.
Judeus de cidadezinhas inteiras foram fuzilados em massa. O Moloch de Hitler
recebia cada vez mais vítimas, até chegar à cifra assombrosa de seis milhões de
judeus, quando a guerra que provocou, estava irreversivelmente perdida. Quando
a Alemanha estava derrotada e em escombros, Hitler desertou e suicidou-se,
deixando a mancha negra em todo o povo alemão. Povo este, que tanto o aclamara
e para quem ele era um semideus no auge do seu poder. (fonte: Holocausto de Ben
Abraham).
5. ANTISSEMITISMO
NEONAZISTA
Após esse apocalipse
genocida, o vírus do antissemitismo não morreu. Ele está por demais implantado
nos povos da Europa central e oriental e também nos Estados Unidos, na forma do
neonazismo europeu e da Ku-klux-khan americana. Embora o chamado
“antissemitismo cristão” esteja em declínio nos últimos anos, muitas outras
fontes de perseguição aos judeus têm crescido de forma exponencial ao redor do
mundo. De acordo com a Anti-Defamation League (ADL), mais de um bilhão
de pessoas mantêm crenças antissemitas. Entre os entrevistados de uma pesquisa
conduzida em mais de 100 países, no ano de 2014: 35% nunca ouviram falar do
Holocausto. No Oriente Médio e Norte da África, 74% da população têm atitudes
antissemitas. Na Europa, em uma pesquisa realizada em 2018, 40% dos judeus
afirmaram sentir medo de serem fisicamente atacados diariamente. Em 2019,
ocorreram 234 crimes antissemitas. Apenas em janeiro 2020, foram registrados 21
crimes antissemitas na cidade de Nova York.
6. PROPONDO O
“FILOSSEMITISMO CRISTÃO”
Diante de um
contexto como esse, afirma o pesquisador Igor Sabino que os cristãos têm um
grande papel a desempenhar. Não numa tentativa de apagar os erros do passado,
mas em obediência aos ensinamentos bíblicos. Um texto bíblico bastante complexo
é Romanos 11.26, com várias possibilidades de interpretação, sobretudo para o
termo “todo Israel será salvo,” interpretado de maneiras diferentes pelos
teólogos cristãos. Alguns desses teólogos protestantes ainda insistem na
surrada interpretação fragmentária das Escrituras que geram uma verdadeira
guerra civil entre o Antigo e Novo Testamentos, a Antiga e Nova Alianças.
Existem aqueles que seguem a condenada exegese de Marcião, o herege do segundo
século que chegou a cotejar um cânon excludente do Antigo Testamento e livros
do Novo Testamento, ficando quase somente com os escritos de Paulo! Entretanto,
se há algo claro nos ensinos do apóstolo Paulo, além da condenação ao orgulho
gentílico, é o fato de que Deus ainda tem planos para o povo judeu que não
perdeu seu status especial: “Muitos do povo de Israel agora são inimigos das
boas-novas, e isso beneficia vocês gentios. No entanto, porque ele escolheu
seus patriarcas, eles ainda são o povo que Deus ama. Pois as bençãos de Deus e
o seu chamado jamais podem ser anulados.”
(Rm 11.28, 29 – NVT). De acordo com ele, embora a nação judaica como um
todo tenha rejeitado Jesus enquanto Messias prometido pelos profetas do Antigo Testamento,
eles ainda são amados por Deus por causa das promessas feitas a Abraão. Esse
amor especial da parte de Deus pelos judeus é entendido por alguns como um
sinal de que no fim dos tempos, haverá uma grande conversão deles ao
cristianismo. Outros, vêem no texto apenas uma evidência de que a Igreja, o
Corpo de Cristo visível, sempre terá em sua composição tanto judeus como
gentios (cf. Ef 2.11-22). Independentemente de como se entenda essas
Escrituras, todos os cristãos deveriam se engajar na luta contra o
antissemitismo. Odiar os judeus é odiar a soberania divina e, em última
instância, o próprio Deus que escolheu Israel. No combate ao antissemitismo é
necessário mais do que simplesmente ações contra crimes e discursos de ódio. É
preciso um filossemitismo, um amor genuíno pelo povo judeu e um grato
reconhecimento por todas as contribuições desse povo à humanidade (cf. Rm 9-10).
Isso pode ser demonstrado de diversas formas, entre elas a correção
hermenêutica e teológica que harmoniza a interpretação das alianças bíblicas
numa teologia progressiva de reconciliação bíblica. Assim, toda a riqueza
histórica revelada nas Escrituras canônicas dos judeus, aplicam-se igualmente à
Igreja quando corretamente interpretadas à luz do Novo Testamento. Devemos
reconhecer que os judeus, assim como qualquer outro povo, também têm direito a
um lar nacional. Eles foram reconhecidos como nação pelas Nações Unidas, ao
formar o Estado de Israel, em 14 de maio de 1948.
Os cristãos evangélicos, mais do que qualquer outro grupo, têm o dever de amar este povo. Afinal, devemos aos judeus a pré-história de nossa fé cristã. É deles que vem o nosso Cristo ou Messias, Senhor e Salvador, segundo as Escrituras Sacras. Daí, sermos exortados, ainda pelo apóstolo Paulo a celebrarmos as festas bíblicas: “Joguem fora o velho fermento, para que vocês sejam nova massa, como de fato já são sem fermento. Pois também Cristo nosso cordeiro pascal foi sacrificado. Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento da maldade e da malícia, mas com os asmos da sinceridade e da verdade” (1Co 5.7-8). O atual cenário mundial, dá-nos uma oportunidade divina para escrevermos um novo capítulo na história das relações judaico-cristãs.
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